terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A água que sacia a sede humana


                  “ Se alguém tem sede, venha a Mim e beba! Conforme diz a Escritura: Do Seu seio jorrarão rios de água viva” (Jo 7,37s).Ainda hoje, em pleno início de terceiro milênio, era da globalização comercial, tecnológica e comunicativa, ainda quando tantos gritam a autossuficiência de uma razão presumidamente autônoma, emancipada de Deus, a humanidade encontra-se sedenta, tão carente e solitária, como sempre foi.
            Talvez hoje esteja menos disposta a reconhecer isso, com menos coragem e maturidade para enfrentar sua verdadeira sede, sua fundamental carência. E, no entanto, eis a multidão humana, seja de Nova Iorque, Los Angeles, Paris, Londres ou São Paulo, sedenta de um sentido, sedenta do Sentido, que somente Deus pode dar.
                   É visível que hoje, mais até que nos anos sessenta e setenta do século passado, há uma renovada sede de espiritualidade e transcendência. Muitos exultam por isso. Mas, é necessário precaução, porque a consciência dessa sede não é madura, não é correta nem bem orientada. Fala-se abundantemente em espiritualidade, dando-se a essa palavra o sentido de uma busca qualquer e de qualquer modo de uma experiência religiosa que alivie, console e dê uma sensação de segurança e bem-estar.
                  É a reação à sociedade ocidental racionalista e presa ao materialismo. No entanto, essa busca de espiritualidade perceptível em nossos dias tende a ser interesseira, individualista e relativista. Uma experiência religiosa assim não tem nada a ver com a experiência cristã, que é abertura para o Deus que se revelou em Jesus Cristo, cheio de amor, ternura e exigência.
           Para o cristianismo, a espiritualidade é o caminho pelo qual alguém sai do seu fechamento, do seu isolamento egoístico e abre-se para Jesus, que nos interpela, converte, liberta e transfigura, dando-nos seus sentimentos e atitudes de total abertura ao Pai e aos irmãos. E isto tudo na comunidade de fé e seguimento chamada Igreja, querida, fundada e sustentada por ele, sempre presente. A espiritualidade genuinamente cristã liberta-se de nós e de nossa solidão, abrindo-nos em Cristo para Deus e para os outros.
Ainda que com suas ambiguidades, a sede de transcendência e o retorno à moda da palavra espiritualidade são, em si, positivas. Pode ser o pressuposto, o ponto de partida de um diálogo, pode ser a manifestação da espera de um encontro, de um anúncio de Jesus Cristo, de Quem brota uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna.
            Estarão os cristãos à altura dessa missão de re-anunciar Jesus ao Ocidente pós-cristão e neopagão? Estará a vida religiosa atual capacitada a testemunhar a novidade nunca superada, que é Jesus? A resposta será positiva somente com uma condição: que se anuncie e proponha Jesus Cristo integralmente, na amplitude do Seu Mistério de verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Salvador único e universal. É necessária a coragem de anunciar sem receios nem compromissos relativistas que Nele, e só Nele, encontram-se a Vida e a Ressurreição, somente Nele, a esperança de Libertação e Plenitude para a humanidade e o mundo.
                  Alguém argumentará: o mundo pós-moderno é o espaço da coexistência, do diálogo, da tolerância, do respeito pelo diferente. Anunciar um Jesus assim, não seria ir contra a corrente? Não!
                    Anunciar Jesus assim é acreditar Naquele que dizemos crer. O grande pecado dos cristãos atuais é o medo de dizer claramente no que acreditamos, é o falso respeito humano, que nos impede de ser e viver e falar como quem tem somente em Cristo a vida e a esperança. O grande pecado de muitos cristãos doutos do nosso tempo é querer um cristianismo politicamente correto, que esconde a verdade sobre Cristo e a Igreja, que tem medo de proclamar que somente em Cristo há salvação e que a Igreja de Cristo é a Igreja católica, nossa Mãe!
                O verdadeiro diálogo e o respeito fecundo pelos outros não se manifestam na covardia de proclamar com clareza, mas sim no amor com que se proclama.
Amor – eis o nome cristão do diálogo e da tolerância! Como João Paulo II, como Madre Teresa de Calcutá, como Bento XVI, queremos proclamar o mistério de Cristo integralmente, como a Igreja sempre o creu, celebrou e anunciou.
                  A novidade para hoje é que tal proclamação deve ser paciente, respeitosa de quem não pensa como nós e não deseja tornar-se um de nós. “Não crês no Cristo em Quem creio? Não amas Aquele a Quem tanto amo? Não aceitas a Mãe Igreja? Que pena! Mas, te respeito de todo coração! Continuas meu amigo, continuas digno do meu afeto e meu amor! Respeitemo-nos, juntos busquemos o bem, ainda que por caminhos tão diversos!”
            Amor, testemunho, coerência de vida, respeito pelos outros, mas sem arredar um passo daquilo que é a Verdade de Cristo, Verdade da Vida. Atrairemos muitos ou poucos? Não importa. Importa que quem nos encontre, encontre verdadeiramente Aquele que sacia verdade a sede do coração humano.

 


Fonte: Blog de Dom Henrique Soares

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